“O Brasil tem muitas opções em termos de ter uma COP melhor, uma boa COP. É por isso que estamos pressionando para que o Brasil forneça melhores respostas, em vez de nos dizer para limitar nossa delegação”, declarou Richard Muyungi, presidente do Grupo Africano de Negociadores, em carta que caiu como uma bomba nas discussões sobre a realização da COP30 em Belém do Pará.
A fala, direta e desconfortável, abriu uma crise diplomática dias antes da reunião de emergência do COP Bureau, braço da ONU responsável pela conferência climática. Resultado: o Brasil se comprometeu a apresentar, até 11 de agosto, um relatório convincente sobre a capacidade de Belém para sediar o evento com foco nos tais “preparativos operacionais e logísticos”.
Clima de tensão (e de superfaturamento)
Acontece que o clima, por enquanto, é de preocupação não com o aquecimento global, mas com os preços “aquecidos” das hospedagens.
Diplomatas revelaram orçamentos recebidos de hotéis e proprietários de imóveis: diárias batendo na casa dos US$ 700 por pessoa, por noite. Isso mesmo. Mais de 2,4 vezes o valor de um salário mínimo mensal brasileiro.
Seis governos, inclusive de países europeus com bolsos relativamente fundos, admitiram que ainda não conseguiram garantir acomodações. Alguns, discretamente, cogitam enviar delegações menores. Outros, nem tão discretamente, já pensam em cancelar a ida.
“Provavelmente teremos que reduzir a delegação ao mínimo. Em um caso extremo, talvez nem precisemos comparecer”, disse Krzysztof Bolesta, vice-ministro do Clima da Polônia.
Oferta (caríssima) e procura (desanimada)
Segundo a organização, existem cerca de 2.500 quartos individuais disponíveis com tarifas entre US$ 100 e US$ 600. A distribuição, no entanto, está longe de ser democrática:
15 quartos por delegação foram reservados para os 73 países classificados como menos desenvolvidos, com diárias entre US$ 100 e US$ 200;
Já para os demais, a diária pode chegar a US$ 600.
O detalhe cruel? A ajuda de custo diária da ONU para algumas delegações é de apenas US$ 149. Ou seja, nem o básico cobre.
Airbnb ou Air-ab-surdo?
A polêmica ganhou força com a exibição de uma reportagem do Profissão Repórter, que escancarou o contraste entre investimentos públicos bilionários e o oportunismo privado. Enquanto 38 obras públicas seguem em andamento com mais de R$ 7 bilhões investidos, a cidade virou um festival de preços surreais.
Um exemplo que gerou revolta: uma empreendedora mostrou na TV sua casa, simples, ainda em reforma e disse que a diária, normalmente R$ 350, saltará para R$ 6 mil durante a COP. E mostrou o rosto, o que foi um prato cheio para a internet.
Em uma rápida busca no Airbnb:
Nem o Richard Muyungi deve ter acreditado quando viu os anúncios.
O problema não é só o preço das diárias. É o preço da falta de visão a longo prazo.
Ao povo paraense, esse momento pede grandeza. A crítica não é contra Belém, mas sim por Belém. É hora de cobrar dos governantes o básico, e da própria população, o bom senso. Explorar o visitante, cobrar o triplo, superfaturar imóvel simples… não é oportunidade, é vexame internacional.
A COP30 ainda não aconteceu, mas já está ensinando muita coisa. Resta saber se vamos aprender ou fingir que não é com a gente.