Domingo, 17 de Agosto 2025

Policiais São Presos Após Estupro de Mulher Indígena no AM

Violência contra indígena presa em cela masculina expõe falhas graves no sistema e resulta em indiciamento de policiais militares.

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Larissa Carolinne

Larissa Carolinne

MPAM (Divulgação)
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Um caso chocante de violência sexual cometido por agentes do Estado contra uma jovem indígena veio a público recentemente e tem gerado comoção em todo o país. A vítima, pertencente ao povo Kokama, foi presa e mantida em uma cela masculina por cerca de nove meses no município de Santo Antônio do Içá, interior do Amazonas. Durante esse período, segundo denúncias, ela foi repetidamente estuprada por policiais militares, mesmo enquanto amamentava o filho recém-nascido.

A prisão ocorreu em 11 de novembro de 2022, após a Polícia Militar atender a uma ocorrência de suposta violência doméstica envolvendo a jovem e seu companheiro. Durante a abordagem, foi identificado um mandado de prisão em aberto contra ela, relacionado a um homicídio ocorrido em Manaus em 2018. Na delegacia de Santo Antônio do Içá, os policiais alegaram não haver cela feminina disponível e a colocaram em uma cela masculina, onde começaram os abusos.

De acordo com o advogado da vítima, Dacimar de Souza Carneiro, os estupros ocorreram em diversos ambientes da delegacia incluindo a cela, a cozinha e uma sala onde eram guardadas armas. A jovem relatou também que foi forçada a ingerir bebida alcoólica com os policiais e que os atos de violência aconteciam principalmente durante os plantões noturnos, com outros detentos sob tortura para que não denunciassem os fatos.

Exames e transferência

Somente em julho de 2023 um exame médico foi realizado, constatando lesões físicas na vítima, como dor intensa na região retal e fissuras, além de equimoses no corpo. O laudo apontou a necessidade de acompanhamento médico especializado. A partir disso, o juiz responsável pelo caso solicitou sua transferência imediata para o Centro de Detenção Feminino, em Manaus.

Ao chegar à nova unidade, no final de agosto, a jovem relatou ter sido vítima de estupros em série durante sua prisão anterior. Exames realizados pelo Instituto Médico Legal confirmaram vestígios de conjunção carnal e agressões físicas compatíveis com o relato da vítima.

Denúncia e investigação

A jovem prestou depoimento à Defensoria Pública, relatando que os abusos começaram já nos primeiros dias de prisão. Ela relatou que um sargento da Polícia Militar entrou em sua cela com cheiro de álcool e a forçou a relações sexuais. Segundo o depoimento, o policial disse: “Você vai transar comigo. Aqui é assim, você tem que colaborar”.

Ao todo, ela identificou cinco policiais militares e um guarda civil como responsáveis pelos abusos, que ocorreram por semanas e até meses. A denúncia foi inicialmente encaminhada a veículos de imprensa e órgãos de justiça.

Ação judicial e pedido de indenização

Diante da gravidade do caso, o advogado da vítima entrou com uma ação por danos morais contra o Estado do Amazonas, solicitando também apoio psicológico para a jovem, que apresentou sinais de sofrimento mental e pensamentos suicidas.

O pedido de indenização foi fixado em R$ 500 mil. Na petição, o advogado afirmou que a vítima foi reduzida à condição de escrava sexual por um longo período e que a violência impactou profundamente também o filho recém-nascido, que presenciou parte dos abusos.

A Procuradoria-Geral do Estado, por sua vez, apresentou uma contraproposta de R$ 35 mil (equivalente a 23 salários mínimos) para encerrar o processo, alegando que o valor solicitado era “exorbitante” diante de parâmetros usados pela Justiça em casos semelhantes.

Após a repercussão do caso, uma comitiva liderada pela procuradora-geral de Justiça do Amazonas, Leda Mara Albuquerque, visitou a vítima no presídio feminino de Manaus. O Ministério Público do Estado reforçou o compromisso com a investigação do caso, que segue sob sigilo na esfera criminal, mas também com o acompanhamento da ação cível movida pela vítima.

As corregedorias da Polícia Militar, da Polícia Civil e da Secretaria de Segurança Pública também estão envolvidas no processo investigativo. O núcleo de atendimento especializado do MP presta suporte à vítima.

Policiais indiciados

A Polícia Militar anunciou o indiciamento de quatro policiais acusados de envolvimento nos estupros. Eles serão formalmente incluídos como suspeitos no inquérito policial e já respondem a um processo administrativo disciplinar, que pode levar à sua expulsão da corporação. Seus nomes não foram divulgados, mas já foram afastados das ruas e estão exercendo funções administrativas, com as armas recolhidas.

Em nota, o Comando da PM do Amazonas declarou que repudia as condutas relatadas e que não compactua com nenhum tipo de desvio dos princípios da legalidade.

O caso escancara as falhas graves do sistema de justiça criminal e do aparato policial no tratamento de mulheres indígenas, especialmente em regiões afastadas dos grandes centros. A permanência da vítima em cela masculina, a omissão dos agentes públicos e a violência continuada levantam sérias questões sobre o racismo institucional, a misoginia e a violação dos direitos humanos no Brasil.

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