O Festival de Parintins, realizado nos dias 27, 28 e 29 de junho de 2025, entregou ao público um espetáculo marcado pela beleza, pela riqueza cultural e por temas de grande relevância social. O Boi Garantido apresentou o tema Boi do Povo, Boi do Povão, levando para a arena o simbolismo de brincar de boi com o pé no chão. A apresentação emocionou a torcida, que vibrou ao som das toadas antológicas do boi vermelho, entoadas na voz marcante do levantador de toadas David Assayag.
O Boi Caprichoso, por sua vez, trouxe o tema inspirado no livro da indígena Trudruá: É Tempo de Retomada. A apresentação abordou temas sensíveis e necessários, sob uma ótica indígena, ambientalista e afrocentrada, embalada por toadas potentes que ecoaram com força na arena. Quem acompanhou de perto pôde testemunhar o trabalho minucioso de artesãos, costureiras, desenhistas, músicos, coreógrafos e todo o corpo técnico e artístico que constrói com suor e talento esse espetáculo único. Enquanto o Garantido apostou em uma apresentação mais simples, com um boi humilde e dançante, o Caprichoso investiu em grandiosidade, com alegorias imensas e uma produção visual impecável.
Após tantas edições do Festival, o público costuma ter uma percepção clara sobre quem deve vencer. Nas ruas de Parintins e Manaus, o sentimento predominante era de que o Caprichoso havia entregado um festival superior e merecia o título. Um possível tetracampeonato. Inclusive, torcedores do boi vermelho reconheciam que o boi azul havia tido uma performance mais impactante. Muitos sabiam que seria preciso cobrar melhorias para que o Garantido retomasse seu protagonismo nas próximas edições.
O que ninguém esperava era o que viria a seguir: a atuação questionável de alguns jurados, que teriam sido supostamente colocados ali para favorecer o Garantido, penalizando duramente o Caprichoso com notas extremamente baixas. No dia 30 de junho, segunda-feira à tarde, iniciou-se a leitura das notas dos jurados. O clima era de tensão na sala de apuração. De um lado, a diretoria do Caprichoso confiante, mas apreensiva. Do outro, a diretoria do Garantido tranquila e serena.
Logo nas primeiras notas, já foi possível perceber incoerências. As avaliações não refletiam o sentimento da torcida, dos brincantes e nem da maioria dos telespectadores. Notas baixíssimas para itens do Caprichoso acenderam o alerta do presidente Rossy Amoedo, que se mostrou indignado com a condução da apuração. Itens que cumpriram todos os requisitos técnicos receberam notas como 9,8 e 9,9. Enquanto isso, falhas notórias do Garantido, como o erro do levantador de toadas ao esquecer letras, recorrer a playback e depender de outro cantor, foram ignoradas, com notas máximas.
O ápice da revolta veio com a atuação da jurada Hylnara Anny Vidal, que deu notas absurdamente baixas para todos os itens do Caprichoso e apenas notas 10 para o Garantido. O que torna o caso ainda mais grave é que a agremiação azulada já havia, por ofício, solicitado que essa jurada fosse impedida de atuar, alegando que ela não possuía vínculo atual com a área artística e estaria inabilitada para julgar. Segundo o Caprichoso, seu currículo teria sido manipulado para que ela fosse selecionada, e hoje ela trabalharia como vendedora em uma loja, não cumprindo os critérios exigidos pelo regulamento. Além disso, vieram à tona indícios de que a jurada teria ligações familiares com membros da diretoria do Garantido, o que levanta suspeitas sobre conflito de interesses.
Rossy Amoedo anunciou que fará uma coletiva de imprensa, onde apresentará provas de que Hylnara, junto a outros jurados, teria recebido instruções para prejudicar o Caprichoso nas avaliações. Conversas circulam na internet, mas todos aguardam as evidências que serão oficialmente divulgadas pela equipe jurídica do boi azul. Durante a apuração, Rossy fez um pronunciamento contundente, denunciando o que considerou um desrespeito ao trabalho do Caprichoso. Ele afirmou que já havia feito denúncias prévias contra alguns jurados e, após seu posicionamento, se retirou da apuração por vontade própria. Em seguida, saiu a pé com sua equipe até o Curral Zeca Xibelão, onde já havia torcedores à espera, antes para comemorar a vitória, agora para protestar.
O que seria uma festa virou um misto de emoções. Havia alegria pela beleza do espetáculo apresentado, mas também frustração com o resultado. Ainda assim, o sentimento compartilhado era de vitória moral. Enquanto isso, o Garantido permaneceu na apuração, recebeu o troféu e seguiu para seu curral, onde celebrou com sua torcida.
Nota da Autora
Me preocupa profundamente a forma como é feita a apuração no nosso amado Festival de Parintins. Não vejo lisura, imparcialidade e muito menos mecanismos de checagem popular. A Prefeitura de Parintins é a principal responsável pela escolha dos jurados, por meio de edital. E neste ano, ficou evidente que esse processo foi falho. Não há fiscalização suficiente para garantir que os jurados tenham o preparo técnico e a imparcialidade necessários para avaliar um espetáculo dessa magnitude.
O Festival não é brincadeira. Dele dependem famílias inteiras. Precisamos nos unir para fortalecer o evento, e o que aconteceu este ano, infelizmente, enfraquece o Festival, mancha sua credibilidade e levanta dúvidas dolorosas. Tento olhar adiante e refletir sobre como podemos melhorar esse sistema de julgamento. Porque, como moradora da terra e apaixonada por esse Festival, me dói ver que pessoas de fora, muitas vezes sem conhecimento sobre o Boi-Bumbá, venham com ideias prontas e julgamentos enviesados.
A pergunta que fica é: como podemos construir um sistema de julgamento mais justo, transparente e técnico, que devolva ao Festival de Parintins o respeito que ele merece, aqui e no mundo inteiro?
